Após prejudicar milhares de clientes, a agência de turismo virtual 123milhas, uma das maiores do mercado, deu entrada em processo de pedido de recuperação judicial da empresa, nesta terça-feira (29), na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, em Minas Gerais. 1i4n2h
Fundada em 2016 e pressionada por uma dívida de R$ 2,3 bilhões, o pedido de recuperação surge após os controladores da 123milhas anunciarem um plano de reestruturação do negócio, diante dos casos de cancelamento de pacotes de viagem já pagos pelos consumidores. Inicialmente a empresa publicou um comunicado explicando que os pacotes da modalidade Promo, ofertados no site, estavam suspensos até dezembro deste ano e que os valores já negociados seriam trocados por vauchers e utilizados somente dentre das opções oferecidas pelo próprio site, o que irritou os clientes.
Farejando um golpe de grandes proporções, vários clientes ingressaram imediatamente no Juizado de Pequenas Causas e as ações desse tipo contra a 123milhas aumentaram em proporção geométrica.
A agência online de viagens 123milhas estava na mira de órgãos de defesa do consumidor. Os sócios controladores, os irmãos Ramiro Júlio Soares Madureira e Augusto Júlio Soares Madureira, prestaram depoimento na I que investiga os casos de pirâmide financeira na Câmara dos Deputados, apesar de terem pedido habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para não comparecer.
De acordo com o pedido de recuperação judicial (RJ), a dívida acumulada pela empresa de cerca de R$ 2,3 bilhões inclui as dívidas da companhia sujeitas à RJ, podendo haver ainda outros ivos que não entram nesse dispositivo legal.
Além da 123milhas, também estão no pedido de recuperação a Nouvem, holding que detém 100% do controle da companhia, e a Art Viagens. A empresa é uma das principais fornecedoras da 123milhas e figura como garantidora em uma série de contratos/obrigações, ocupando, inclusive, a posição de devedora solidária.
Segundo o pedido, as empresas têm enfrentado a pior crise financeira desde suas respectivas fundações, decorrente do “acúmulo de fatores internos e externos, que impam um aumento considerável de seus ivos nos últimos anos”. Com isso, defendem que somente uma solução global pode resolver a situação para assegurar a continuidade de suas atividades e o cumprimento de sua função social.
O sócio do escritório S.DS – Scardoa. Del Sole Advogados, Renato Scardoa, ressalta que, por ora, não consta no pedido de RJ à lista de credores nem um pedido de prazo para que ela seja apresentada posteriormente. Além disso, a empresa pede uma tutela de urgência para que não sejam feitas execuções de dívidas contra ela, de forma que os efeitos da RJ que protegem a companhia sejam concedidos antes que a recuperação seja processada pela Justiça.
Desde que anunciou o cancelamento dos pacotes, centenas de clientes lesados ingressaram na justiça contra a 123milhas. Desde então, vários conseguiram ganho de causa e os processos viraram uma bola de neve.
Scardoa afirma que clientes que aguardavam a promessa de reembolso da companhia referente a compras da “Promo 123″, podem ver esses valores incluídos na recuperação judicial da companhia. “Esses reembolsos podem ser sujeitos à recuperação judicial. Nesse caso, o prazo médio de pagamento costuma ser de sete anos, com um ano de carência após a aprovação do plano, que costuma demorar cerca de um ano”, diz o sócio do escritório que atua representado grupo de credores e fornecedores nas grandes Recuperações Judiciais recentes, como Americanas e Grupo Petrópolis.
De acordo com o processo judicial, a 123milhas atende cerca de 5 milhões de clientes por ano em seu e-commerce. Em 2022, somou um GMV (Volume Bruto de Mercadorias) de R$ 6,1 bilhões.
Antonio Aires, sócio de direito bancário e mercado de capitais do KLA Advogados, explica que diante do pedido de RJ, a companhia terá até 180 dias para apresentar um plano de negociação para tentar reestruturar economicamente o negócio. O especialista afirma ainda que diferentemente de um processo de falência, as recuperações judiciais não têm um rito determinado de ordem de pagamentos para todos os credores, essa disposição fica a cargo do projeto apresentado pela empresa à Justiça. “Já era de se esperar que esse pedido (de RJ) fosse acontecer”, avalia.
Com isso, salvo trabalhadores com salários em atraso, os demais credores e clientes da companhia não tem uma data determinada para serem ressarcidos, segundo o especialista.
EM nota a empresa disse que: “Está trabalhando para, progressivamente, estabilizar sua condição financeira”. Além de lesar milhares de clientes a empresa promoveu na semana ada, sem informar números, quantos funcionários foram demitidos de seus quadros.
De acordo com o pedido de recuperação judicial, nos últimos anos, as vantagens que permitiam a emissão de bilhetes aéreos mais baratos, principalmente aquisições com milhas, vêm diminuindo gradativamente.
Além disso, a empresa argumenta que a resilição de contratos firmados com companhias aéreas que eram consideradas parceiras também inviabilizou o cumprimento de suas obrigações. Pesou ainda o aumento da taxa de juros para antecipação de recebíveis, que, no início de 2021, era de 0,3% ao mês, elevando-se, ao longo dos últimos anos, para 1,5% ao mês.
As requerentes afirmam também que, em virtude da repercussão negativa do anúncio da suspensão da emissão das agens e pacotes de viagens do Programa Promo123, “vêm sofrendo forte pressão de seus credores, que já distribuíram várias ações judiciais contra a 123milhas – número esse que cresce a cada dia –, bem como de alguns entes públicos”.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.